AXELA MIKAELE BARRADAS DA SILVA[1]
(coautora)
WIRNA MARIA ALVES DA SILVA[2]
(orientadora)
RESUMO: Em suma, o presente estudo observou que as medidas utilizadas para conter a pandemia do covid-19, visou controlar o vírus e prevenir a sociedade, em contrapartida ocasionou outros problemas, como o aumento da violência doméstica contra a mulher, pois o isolamento social que foi uma das medidas adotadas para combater o vírus, fez com que as vítimas passassem mais tempo em casa com seus agressores. A falta de transporte público que foi uma das consequências das mudanças que ocorreu na pandemia, visto que o vírus fez com que houvesse mudanças econômicas também, dificultou que muitas mulheres não conseguissem ter acesso a uma delegacia, ficando ainda mais vítimas desses relacionamentos. Mediante essas mudanças e dificuldade, foi necessário estudar as medidas protetivas de urgência e os meios disponíveis para a segurança dessas vítimas, como a lei Maria da Penha, as medidas protetivas de urgência, a delegacia da mulher, a rede de apoio necessário para elas, e os aplicativos que foram criados para ajudar no combate da violência.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Violência Contra a Mulher. Medidas Protetivas. Isolamento Social.
ABSTRACT: In short, the present study observed that the measures used to contain the covid-19 pandemic, aimed to control the virus and prevent society, on the other hand, caused other problems, such as the increase in domestic violence against women, as the social isolation that was one of the measures adopted to combat the virus, made the victims more necessary for them, and the applications that were created to help in the fight against violence. time at home with their abusers. The lack of public transport, which was one of the consequences of the changes that occurred in the pandemic, since the virus caused economic changes as well, made it difficult for many women to not be able to access a police station, becoming even more victims of these relationships. Due to these changes and difficulties, it was necessary to study the urgent protective measures and the means available for the safety of these victims, such as the Maria da Penha Law, the women's police station, the support network.
Keywords: Maria da Penha Law. Violence Against Women. Protective Measures. Social isolation.
Com a chegada da pandemia do COVID-19 no Brasil, o cotidiano da maioria das famílias brasileiras mudou, e o governo precisa implementar medidas de distanciamento social para minimizar a contaminação do novo vírus. Apesar da importância e necessidade dessas medidas, a situação de isolamento domiciliar gerou preocupação por suas consequências potencialmente brutais para as milhares de mulheres brasileiras que vivem em situação de violência doméstica.
Portanto, a presente pesquisa tem como objetivo analisar os efeitos do isolamento social decorrente da pandemia da COVID-19 sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher, onde abordaremos os dados de violência doméstica durante o tempo de isolamento.
Em assim sendo, eis o problema da pesquisa: quais impactos potencializaram a violência contra a mulher na pandemia da COVID-19?
A violência doméstica e familiar é um problema de saúde pública que afeta não somente as vítimas, mas também toda uma sociedade, por isso faz se necessário a criação de medidas protetivas, a fim de amenizar esta problemática. Assim, as medidas protetivas de urgência servem para amparar as vítimas da violência, pois buscam impedir que as agressões aconteçam e visam a realização de uma proteção mais abrangente, resguardando assim os direitos das vítimas.
No entanto, no período pandêmico, com o isolamento social sendo uma das medidas adotadas para a contenção da COVI-19, uma em cada quatro mulheres acima de 16 anos sofreram algum tipo de violência no Brasil, segundo a pesquisa do Instituto Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2021).
Com isso, todos os âmbitos sofreram modificações, como o profissional, a economia e a educação. Já que as vítimas foram obrigadas a passar mais tempo com seus agressores, pois com essa medida fez com que houvesse uma potencialização na violência doméstica e muitas vítimas acabaram perdendo seus empregos, tendo consequentemente que depender de seus parceiros financeiramente.
Assim, essas consequências das dificuldades econômicas ocasionadas pela pandemia da COVID-19, fez com que muitas vítimas de violência não conseguissem fazer a denúncia, já que passaram a ter difícil acesso as medidas protetivas de apoio e por serem psicologicamente violentadas por seus agressores, ocasionando um aumento nos casos de feminicídio.
Contudo, a Lei Maria da Penha, que foi uma grande conquista para a sociedade brasileira e principalmente para as mulheres, visto que este problema é algo pertinente no país. Teve então, durante a pandemia a edição da lei n° 14.188/2021, a agressão psicológica sendo motivo para afastamento do agressor, garantindo uma seguridade as vítimas.
A violência doméstica e familiar é um problema pertinente que sempre existiu no Brasil, todos os dias mulheres são mortas e espancadas no país, pois muitas vezes são vistas como um objeto por seus parceiros, que se sentem donos delas, além de serem consideradas o sexo mais frágil, por conta da desigualdade histórica entre o gênero feminino e masculino, pois o Brasil veio de uma sociedade escravocrata e de uma educação machista consolidada numa sociedade patriarcal.
Cunha e Pinto (2018, p. 41) aborda que segundo o Conselho da Europa, a violência doméstica e familiar é entendida como:
Qualquer ato, omissão ou conduta que serve para infligir sofrimentos físicos, sexuais ou mentais, direta ou indiretamente, por meio de enganos, ameaças, coação ou qualquer outro meio, a qualquer mulher, e tendo por objetivo e como objetivo intimidá-la, puni-la ou humilhá-la, ou mantê-la nos papéis estereotipados ligados ao seu sexo, ou recusar-lhe a dignidade humana, a autonomia sexual, a integridade física, mental e moral, ou abalar a sua segurança pessoal, o seu amor próprio ou a sua personalidade, ou diminuir as suas capacidades físicas ou intelectuais (CUNHA; PINTO, 2018, p. 41).
Assim, entendesse que violência doméstica ou familiar é toda ação ou omissão dirigidas à mulher e pode ser no âmbito doméstico, familiar ou onde haja uma relação intima de afeto entre o agressor e a vítima. Conclui-se então que a violência de gênero é uma espécie de violência contra à mulher.
A mulher que sofre violência, incluindo em relação homoafetiva, desde que marcada pela violência de gênero, é protegida pela Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006). Pois mulheres homossexuais e transexuais também sofrem essa violência e preconceito dentro do próprio lar, em casos que a família não aceita a opção de gênero. Quando ocorre a alteração do registro civil para sexo feminino a lei deve ser aplicada, tendo em vista que juridicamente aquela pessoa é classificada como mulher.
As violências contra as mulheres compreendem um amplo leque de agressões de caráter físico, psicológico, sexual e patrimonial que ocorrem em um contínuo que pode culminar com a morte por homicídio, fato que tem sido denominado de feminicídio (MENEGHEL; PORTELLA, 2017).
Segundo a Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres (BRASIL, 2011), os agressores são principalmente homens, enquanto ás vítimas, são mulheres, consideradas historicamente a parte mais frágil da relação. De acordo com Laura (2017), as vítimas de violência frequentemente relatam predomínio dos abusos psicológicos em relação às agressões físicas, estando o principal agressor e o abusador sexual dentro de suas casas. O uso de álcool e drogas associado à violência, pode ser considerado tanto fator preditor quanto consequência, devido à diminuição de capacidade cognitiva que dificulta a resolução dos problemas de modo construtivo, assim como leva ao abuso de entorpecentes devido ao impacto sob a saúde mental das vítimas.
Estimativas Globais publicadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS, 2021) indicam que aproximadamente uma em cada três mulheres (35%) em todo o mundo sofreram violência física e/ou sexual por parte do parceiro ou de terceiros durante a vida, o que representa cerca de 736 milhões. A OMS alerta que essa violência começa cedo: uma em cada quatro mulheres jovens (de 15 a 24 anos) que estiveram em um relacionamento já terá sofrido violência de seus parceiros por volta dos vinte e poucos anos.
Quem sofre com esse tipo de violência geralmente não é só a vítima, pois os filhos que crescem nesse ambiente também acabam sofrendo as consequências e adquirem problemas psicológicos. Ocorre também que muitas vezes essas vítimas não têm uma rede de apoio necessário, o que dificulta e faz com que elas fiquem pressas nesses relacionamentos abusivos, que não é apenas um problema social, é também uma questão de saúde pública, de necessidade de medidas de urgência e amparo eficazes, capazes de mudar esta realidade.
Em relação ao agressor, na maioria das vezes ele já contém traços agressivo, já são predestinados a serem violentos por experiências passadas, pelo convívio familiar ou pela criação que tiveram, acabam vendo a violência como resolução de conflitos. Esse tipo de comportamento agressivo e machista geralmente já vem desde a infância dos agressores, pois vivemos em uma sociedade em que a mulher sempre foi vista como inferiores aos homens.
Os agressores desse tipo de violência dificilmente comentem apenas uma delas, elas não ocorrem de forma isoladas, inicia-se primeiro com a verbal, depois a física, consequentemente a moral.
Um fator característico, para Santos (2017) associados à violência estão a necessidade de autoafirmação ou ciúmes, ocasionado pela construção social do casal como indivíduos numa relação de pose, uso de álcool e drogas ilícitas, como fatores de distorção da realidade e regras sociais de conduta moral e ética.
A consolidação da Lei Maria da Penha foi uma grande conquista na luta pelos direitos das mulheres no Brasil, e do reconhecimento deste tipo de violência para a sociedade. Maria da Penha Maia Fernandes é representativo da violência doméstica que milhares de mulheres sofrem no Brasil.
Nesse sentido é o Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial (AgRg no AREsp n° 1626825/GO), julgado pela quinta turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de relatoria do Min. Felix Fischer, que diz:
[...] A Lei Maria da Penha objetiva proteger a mulher da violência doméstica e familiar que, cometida no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto, cause-lhe morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, e dano moral ou patrimonial. Estão no âmbito de abrangência do delito de violência doméstica e podem integrar o polo passivo da ação delituosa as esposas, as companheiras ou amantes, bem como a mãe, as filhas, as netas do agressor e também a sogra, a avó ou qualquer outra parente que mantém vínculo familiar ou afetivo com ele. Precedente [...] (BRASIL, 2020).
Portanto, os principais desenvolvimentos da Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006), inclui medidas de proteção emergencial e a criação de tribunais dedicados à violência doméstica contra a mulher. Anteriormente a essa lei, o Juizado Especial Criminal havia analisado a maioria dos casos de violência contra a mulher, como ameaças, atos, lesões corporais, perturbação do sossego e danos à honra, nos termos da Lei nº 9.099/95 que se centrava na finalidade de mediação.
Além disso, a Lei nº 9.099/95, previne efetivamente as prisões no local, enquanto a Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006), reforça a possibilidade de prisão preventiva, independentemente das razões gerais previstas no Código de Processo Penal, inclusive garantindo a efetividade das medidas cautelares de emergência.
Assim, uma das inovações jurídicas mais importantes da lei nº. 11.340/2006, foi a criação de medidas de proteção urgentes, com o objetivo de garantir instrumentos jurídicos capazes de proteger as mulheres nessa situação, com o objetivo de dar uma resposta do Estado para prevenir danos ou lesão da lei e promover a redução dos índices de violência (BRASIL, 2006).
A Lei Maria da Penha modificou o tratamento do Estado em relação aos casos envolvendo violência doméstica, basicamente, por meio de três canais, pois: i) aumentou o custo da pena para o agressor; ii) aumentou o empoderamento e as condições de segurança para que a vítima pudesse denunciar; e iii) aperfeiçoou os mecanismos jurisdicionais, possibilitando que o sistema de justiça criminal atendesse de forma mais efetiva os casos envolvendo violência doméstica (IPEA, 2015).
A criação de varas dedicadas à violência doméstica é outro ganho da lei, permitindo que juízes e servidores se especializem, entendam as causas da violência de gênero e disponibilizem equipes psicossociais para lidar com situações complexa.
Portanto, o Instituto Maria da Penha (IMP) aborda que além de proteger mulheres em situação de violência e salvar vidas, a Lei n. 11.340/2006 condena os agressores, garante a autonomia das mulheres, melhora os meios de assistência e atendimento, sempre apresentando valores de direitos humanos nas políticas públicas para meios de combate à violência de gênero.
As medidas protetivas de urgência – MPU são aquelas que podem ser solicitadas por mulheres, que estejam sofrendo algum tipo de violência doméstica, seja ela física, sexual, psicológica, moral ou até mesmo patrimonial. Essas medidas visam proteger a saúde e a integridade da vítima, e podem ser solicitadas na delegacia no momento do (B.O) boletim de ocorrência.
No entanto, para haver a aplicação da medida protetiva de urgência sendo o Art. 12-C caput da Lei n° 13.827/2019, deve haver risco atual ou eminente à vida da vítima ou a integridade física dela. Risco pode ser conceituado como situação de perigo, que pode ocasionar morte ou a violação de sua integridade física. O risco atual, quer dizer que é contemporâneo, presente; e iminente significa dizer que a ameaça se caracteriza de forma imediata, está preste a acontecer (GIMENES; ALFERES, 2020).
É um tipo de recurso de proteção que está previsto na Lei Maria da Penha, que é uma legislação intuitiva que tem como objetivo criar mecanismos para coibir e prevenir a violência de gênero contra mulheres no Brasil. Este direito também está assegurado no art. 226, §8° da Constituição Federal de 1988, que fala que o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de todos que a integram, criando mecanismos para tentar coibir a violência no âmbito de suas relações familiares (BRASIL, 1988).
Segundo um estudo as vítimas de feminicídio no Distrito Federal, feito pela Câmara Técnica de Monitoramento de Homicídios e Feminicídios da Secretaria de Segurança Pública do DF (BRASÍLIA, 2019), mostra que 79,4% das mulheres assassinadas pelos parceiros não se encontravam sob medida protetiva. Pois, elas não tiveram coragem de denunciar seus ex companheiros, segundo esse mesmo estudo a maioria das vítimas de feminicídio nunca nem se quer registraram um B.O.
No artigo 22 da lei estabelece cinco tipos de medidas protetivas destinadas ao agressor, que se for verificada a violência doméstica podem ser aplicadas de imediato, em ou conjunto ou então separadamente. Essas medidas são: a suspensão de posse ou restrição do porte de armas com comunicação ao órgão competente; afastamento do lar domicilio ou local de convivência com a ofendida; proibição de determinadas condutas, como por exemplo, aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando um limite mínimo de distância entre estes e o agressor; contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; a frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade psicológica e física da vítima; restrição ou suspensão das visitas aos seus dependentes menores; assim como, a prestação de alimentos provisionais ou provisórios (GIMENES; ALFERES, 2020).
Já as medidas protetivas direcionadas a ofendida em caso de violência doméstica, estão previstos nos artigos 23 e 24 da referida lei. No art. 23, existe a possibilidade do juiz, sem prejuízo a outras medidas adotadas, ou que possam ser adotadas, encaminhar a vítima e seus dependentes a um programa de proteção ou atendimento, que pode ser oficial ou comunitário. O juiz também pode determinar, se for necessário, outras três medidas protetivas a ofendida, que são o seu retorno ao domicílio, após o afastamento do agressor; o seu afastamento do lar, preservando-se os seus direitos, principalmente patrimoniais e a guarda dos filhos; a separação de corpos (BRASIL, 2006)
O art. 24, impõe medidas de proteção exclusivamente patrimonial à ofendida, como por exemplo, a restituição de bens e a proibição temporária de atos e contratos relativo aos bens de propriedade conjunta com o agente ativo do crime (BRASIL,2006)
As medidas protetivas de urgência depois de serem requeridas pela vítima, devem ser encaminhadas ao Poder Judiciário, pela Autoridade Competente, pelo Defensor Público ou pelo Ministério Público. A noção da medida, que destaca essa condição de urgência, exige imediata ação a autoridade de que primeiro tomar conhecimento dos fatos (GIMENES; ALFERES, 2020).
Portanto, o não cumprimento da medida protetiva de urgência também é caracterizado crime, está disposto no Art. 24-A da Lei n° 13.641/2018 que fala que o descumprir decisão judicial de gera pena detenção de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, a configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas, na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder a sentença, o disposto nesse artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis (BRASIL, 2006).
Segundo o artigo 7º da Lei 11.340 de 2006 existem cinco tipos de violência doméstica e familiar contra mulher: violência fisica, violência psicóligica, violência sexual, violência moral e violência patrimonial:
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. (BRASIL, 2006).
Portanto, o objetivo da referida lei é corrigir uma realidade que agravada pela falta de legislação para proteger as mulheres e, além disso, diante da falta de um tratamento apropriado às mulheres quando iam a delegacia de polícia para conseguir ajuda.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) assim compreende:
[...] A Lei Maria da Penha cria mecanismos adequados para coibir a violência de natureza física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral dirigida conscientemente contra a mulher, conferindo proteção específica ao gênero feminino quando a agressão é praticada nas específicas situações descritas no art. 5º: âmbito da unidade doméstica, âmbito da família ou qualquer relação íntima de afeto [...] (BRASIL, 2017)
Assim, a violência física é a forma de violência contra a mulher de maior visibilidade, pois há uma menor predisposição social em aceitar esse tipo de agressão. Pode ocorrer das mais variadas formas: obrigar a tomar medicamentos desnecessários ou inadequados, bloquear a passagem, dar tapas, empurrões, mordidas, chutes, socos, amarrar ou imobilizar a pessoa, torcer o braço, provocar queimaduras e cortes, estrangular, causar lesões por armas ou objetos, e até ameaçar matar a parceira.
Pois, a violência física ocorre muitas vezes quando o agressor usa a força com a intenção de ferir o corpo da mulher, deixando ou não marcas indistintas, incluindo hematomas.
O inciso II da referida lei faz referência a violência psicológica, que é caracterizada por episódios frequentes a identidade e as características físicas ou de personalidade da pessoa, com maneiras de desqualificá-la e destruir sua autoestima. Não são apenas críticas, não visam o desenvolvimento de outros, mas sim à sua desestabilização e fragilização psicológica. As agressões podem ocorrer por meio de xingamentos, humilhações (ou até em público), restrições, constrangimentos, entre outros. A mulher que vivencia esse tipo de violência pode se sentir inferior ao parceiro, culpar-se pela agressão, acreditar que está fora de controle. A vítima também pode se sentir intimidada e envergonhada, desamparada e sem esperança porque não podem ser ouvidos e respeitados por seus agressores (BARBOSA et al. 2020).
O Instituto Maria da Penha (IMP) assinala algumas condutas que configuram violência sexual: estupro, obrigar a mulher a fazer atos sexuais que causam desconforto ou repulsa, impedir o uso de métodos contraceptivos ou forcar a mulher a abortar, forçar matrimonio, gravidez ou prostituição por meio de coação, chantagem, suborno ou manipulação, limitar ou anular o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher (IMP, 2018).
A violência patrimonial ocorre quando o agressor de alguma forma lesa os bens da vítima, pode ser por qualquer conduta que configure a destruição a detenção ou a subtração, parcial ou total dos bens da vítima. Como por exemplo quebrar ou destruir seus instrumentos de trabalho, dinheiro e documentos pessoais, que vão lhe causar prejuízos financeiros. Outra forma de violência patrimonial é controlar o dinheiro ou extorquir a vítima, não pagar a pensão alimentícia, estiolando, usar o nome e ou os documentos da vítima em proveito próprio. Geralmente esse tipo de comportamento vem acompanhado de ameaças e violência, que causam medo na vítima e fazem com que ela ceda ou não consiga impedir.
A violência doméstica moral é um ato difamatório em que o agressor tenta manchar a imagem da vítima com calúnia, difamações e mentiras sendo destinados a ofender a dignidade das mulheres. Além disso, a conduta que gera atitudes humilhantes, desvalorização moral, atitudes que abalam a autoestima da mulher, são condutas da violência doméstica moral, que é uma das mais comuns formas de violência contra a mulher.
Todos os tipos de violência acima são vivenciados por mulheres vítimas de violência doméstica em seu cotidiano. Essas violências não deixam vestígios visíveis na maioria dos casos, mas afetam profundamente as vítimas, levando-as a um estado de depressão extrema.
No passado, a humanidade enfrentou diversas doenças no nível de pandemia, os surtos e as doenças se repetem apresentando semelhança na forma de alastramento e controle da doença. Atualmente, o mundo vivência a pandemia causada pelo novo coronavírus, sua virulência é bastante alta, vem causando milhares de mortes (GASQUE et al, 2020).
A COVID-19 é a designação dada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para identificar a doença causada pelo novo coronavírus. Os primeiros casos da doença foram identificados, na cidade de Wuhan, na província de Hubei, na China, a infecção viral se expandiu internacionalmente causando grandes ameaças à saúde e a vida. Devido à forma de como a doença foi manifestada por vários sintomas, desde assintomáticos, leves até doença grave e morte, em março de 2020, foi declarada pela OMS que a Covid-19, é uma pandemia.
A principal forma de transmissão é o contato entre pessoas ou através do contato por meio de toque do aperto de mão, objetos contaminados, gotículas de saliva, espirro, tosse. Os principais sinais e sintomas apresentados são febres, tosse, dificuldade de respirar, redução do paladar e do olfato (GASQUE et al, 2020).
Em cenário acelerado e devastador da doença, a população mundial passou a adotar intervenções para conter o avanço do vírus tais como, o distanciamento social, quarentena, isolamento, lockdown, shutdown, essas medidas têm como objetivo limitar a movimentação interna das pessoas, impedindo que haja contato entre elas (AQUINO et al.; GOSTIC et al; 2020).
O Ministério da Saúde vem orientando à população desde o início no sentido de reforçar a importância das medidas de prevenção, que são as seguintes, a lavagem das mãos com água e sabão ou sua higienização com álcool em gel 70%, uso de máscara (BRASIL, 2020).
Como uma das medidas de proteção e prevenção contra o vírus, o isolamento social, foi durante o ano de 2020 uma realidade no mundo todo, e segundo dados do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (BRASIL, 2020) desde o início da pandemia do coronavírus, mulheres passaram a ficar 24 horas em casa, muitas vezes, com seus agressores, o que levou ao aumento do número de práticas de violência doméstica. Elevando inclusive a preocupação do ministério, com a violência doméstica e familiar contra a mulher.
A violência doméstica é considerada uma questão de saúde pública, pois a violência sexual ou física e psicológica pode provocar lesões imediatas, infecções, depressão e até transtorno mental, além de violar os direitos humanos e a integridade da mulher (OPAS/OMS).
Esse tipo de violência ocorre dentro do próprio lar e só quem tem conhecimento é a vítima e o agressor, em alguns casos os filhos, vizinhos ou parentes mais próximos sabem ou presenciam as agressões, porém não interferem, ou não conseguem interferir seja por medo da conduta do agressor ou porque a própria vítima não deixa, por ter medo ou depender do agressor, seja financeiramente ou emocionalmente.
A violência doméstica é a forma mais comum de violência contra a mulher e cria um problema de saúde pública por causar sequelas nos domínios físico, emocional, familiar e econômico.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que agressões estão ocorrendo cada vez mais cedo; em todo o mundo, um terço das mulheres ou 736 milhões já sofreu violência física ou sexual por um parceiro ou alguém próximo. A violência a mulheres está ocorrendo cada vez mais cedo na vida de mulheres e meninas, sendo os agressores na maioria dos casos um parceiro ou uma pessoa conhecida da vítima. Mesmo com esforços de governos e sociedade civil, o número global de todas as mulheres continua sendo ao redor de um terço, sem mudanças ou melhoras na última década (ONU, 2021).
Acredita-se que o necessário isolamento social para o enfrentamento à pandemia escancara uma dura realidade, de acordo com dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH), do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), entre os dias 1º e 25 de março de 2020, houve crescimento de 18% no número de denúncias registradas pelos serviços como Disque 100 e Ligue 1808.
As estatísticas apontam que mesmo na condição de chefes do lar, as mulheres não estão seguras nem mesmo em suas casas, dos 3.739 homicídios de mulheres em 2019 no Brasil, 1.314 (35%) correspondem ao crime de feminicídio, sendo desses, 88,8% praticados por companheiros ou ex-companheiros (EURONEWS, 2020)
O Fórum Brasileiro De Segurança Pública (BRASIL, 2020) informou que, só no mês de abril, ápice do isolamento no pais, o número de ligações, denunciando episódios de violência doméstica no Ligue 180 cresceu 37,6% com relação a abril de 2019, confirmando o aumento considerável nos registros de casos de violência doméstica no período do isolamento social, o Brasil, que já apresentava altos índices de violência doméstica antes de iniciar a pandemia, através do isolamento social consolidou a crescente dos casos.
Para Mainart (2021) torna-se explícito que, embora o isolamento social seja a medida mais adequada para a contenção da pandemia, o ambiente doméstico apresenta riscos para a segurança de muitas mulheres, nos levando a perceber que o enfrentamento da violência doméstica é um desafio cotidiano no Brasil.
Através dos boletins de ocorrência das Polícias Civis das 27 Unidades da Federação, O Fórum Brasileiro De Segurança Pública fez um levantamento de dados, que indicaram um leve recuo nos registros de feminicídio em 2021, ao mesmo tempo que apontam o aumento dos registros de estupro e estupro de vulnerável no mesmo ano. Os dados preliminares de violência letal contabilizam 1.319 mulheres vítimas de feminicídio no ano de 2021, decréscimo de 2,4% no número de vítimas; e 56.098 estupros (incluindo vulneráveis), apenas do gênero feminino, crescimento de 3,7% em relação ao ano anterior (FBSP,2021).
Dessa forma, com o crescente casos de violência doméstica durante a pandemia, o Governo Federal aprovou a Lei. 14.022/20, que dispõe sobre medidas ao enfrentamento da violência doméstica durante o isolamento. A norma torna essenciais os serviços ao combate e a prevenção tanto contra mulheres quanto contra idosos, crianças e pessoas com deficiência (BRASIL, 2020).
Com o apoio de 23 deputadas foi aprovado o Projeto de Lei 1291/20, que prevê medidas de combate e prevenção à violência doméstica durante o estado de emergência de saúde pública decorrente do coronavírus. O projeto traz como mecanismos de denúncias: um número telefônico municipal ou estadual; atendimento por portal eletrônico na internet; e aplicativos de celular gratuitos. Também poderá ser estabelecido convênio para que o Disque 180, número nacional de recebimento de denúncias, repasse as informações urgentes recebidas para as redes de atendimento local, que incluem delegacia especializada e conselho tutelar (BRASIL, 2020)
Assim, com a referida lei o registro de ocorrência contra a violência doméstica poderá ser feito por meio eletrônico ou por número de telefone emergência, designado para tal pelos órgãos de segurança pública.
No dia 10 de junho de 2020, a Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB (2020), em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), lançou a campanha chamada Sinal Vermelho. A campanha é um instrumento de denúncia contra a violência doméstica, com um “X” na palma da mão, a mulher pode pedir ajuda para qualquer estabelecimento comercial, onde o atendente irá chamar a polícia.
Pois a mesma inclui uma forma silenciosa de condenação em que as vítimas, privadas do direito de usar seus telefones celulares, computador, falar com amigos e familiares, desenhe um “X” vermelho na palma da mão e vá até a farmácia mais próxima quando tiver oportunidade, então o farmacêutico solicita à vítima para fornecer informações como nome, endereço e número de telefone, se houver, aciona a polícia. (AMB, 2020).
A campanha se tornou efetiva e acessível, sendo sancionada pelo Presidente da República Jair Bolsonaro no ano de 2021 “O projeto de Lei 741/2021 define o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de combate à violência contra a mulher” (BRASIL, 2021).
Logo após o projeto de Lei 741/2021 se transformou na Lei 14.188 de 2021. A mesma lei alterou o diploma do Código Penal, incluindo o §13 na estrutura do art. 129 “Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do §2°-A do art. 121, tendo reclusão de um a quatro anos. (BRASIL, 2021)
Na referida lei, inclui também no art. 147-B no Código Penal a violência psicológica contra a mulher sendo determinada como crime, a ser atribuído a quem causar dano emocional.
Em julho de 2020, foi aprovado pelo Senado Federal o substitutivo do Projeto de Lei (PL) 2.510/2020, que obriga síndicos, moradores e locatários a informarem casos de violência doméstica e familiar às autoridades competentes (AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 2020).
O referido projeto foi aprovado mediante o aumento da violência doméstica diante o isolamento social, que acarretou a vítima ter mais restrição aos meios de medidas de proteção. Assim, Bianquini (2020), aborda:
Os riscos de violência contra mulheres e meninas, especialmente violência doméstica, aumentam devido ao aumento das tensões em casa e também podem aumentar o isolamento das mulheres. As sobreviventes da violência podem enfrentar obstáculos adicionais para fugir de situações violentas ou acessar ordens de proteção que salvam vidas e/ou serviços essenciais devido a fatores como restrições ao movimento de quarentena. (BIANQUINI, 2020).
O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), no dia 02/04/2020, propôs o enfrentamento à violência doméstica durante o COVID, com medidas emergenciais. Uma das propostas foi ampliar a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH) para os meios digitais com a criação do Aplicativo Direitos Humanos e de portal exclusivo. Trazendo para o mundo digital o disque 100 e 180, possa tornar mais fácil a denúncia para a vítima ao enfrentamento da violência doméstica durante o COVID.
Portanto, é valido expor a validade da lei Maria da Penha, pois são necessárias políticas públicas intersetoriais e integradas nos sistemas de justiça, segurança, saúde, assistência social e educação, bem como a atuação conjunta de todos os atores que compõem a rede de combate à violência contra a mulher, bem como da sociedade civil.
Tendo em vista os aspectos observados, o presente estudo teve como base o aumento da violência doméstica contra a mulher na pandemia do covid-19, e os meios e medidas de urgência usadas para combater essa problemática e ajudar as vítimas desse tipo de violência, seja ela física, moral, sexual, psicológica ou patrimonial.
A pandemia do covid-19 adotou como uma medida para amenizar o vírus o isolamento social, que trouxe como consequência o aumento da violência doméstica e familiar visto que as vítimas passaram a ficar mais tempo em casa com seus agressores. Além disto a pandemia trouxe problemas econômicos para o país, e outra consequência disto foi o desemprego em massa, a paralização dos ônibus e as atividades acadêmicas e escolares de forma remota.
O desemprego acabou gerando uma frustação nos agressores o que o deixou ainda mais agressivo, a paralização dos ônibus fez que houvesse uma dificuldade ainda maior para as vítimas denunciarem os agressores, as atividades acadêmicas de forma remota, fez com que as vitimas passassem mais tempo em casa, além disso o desemprego fez com que algumas as vítimas ficassem ainda mais dependente de seus parceiros.
Desse modo, observa-se que além do aumento da violência doméstica, todas as esferas sofreram mudanças com a pandemia do covid-19, e muitas dessas mudanças contribuíram tanto para o aumento da violência como também para uma maior dificuldade da vitima em denunciar seus agressores, o que consequentemente fez com que também ocorre o aumento do feminicídio.
A lei Maria da penha já existe há muitos anos e tem como objetivo resguardar o direito das mulheres vítimas de violência doméstica, ou seja, as mulheres vítimas da violência em razão do gênero. As medidas protetivas de urgência descritas nesta lei, e visam proteger e vida dessas mulheres que estão vivendo algum tipo de violência doméstica, que estão em risco ou perigo de vida.
Na pandemia surgiram outras medidas e outros meios, que visavam resguardar a vida dessas mulheres, como por exemplo o aplicativo Salve Rainha, a mulher chegar em uma farmácia com um X escrito de batom na mão. Visto que a violência doméstica e familiar também é um problema de saúde publica que não atinge apenas as mulheres de violência, e seus familiares, e sim toda uma sociedade, pois é também uma questão de saúde pública.
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[1] Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. E-mail: [email protected]
[2] Professora do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. Mestra em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. E-mail: [email protected]
Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Nayse de Freitas. A violência doméstica e familiar contra a mulher na pandemia do covid-19 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jun 2022, 04:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /58642/a-violncia-domstica-e-familiar-contra-a-mulher-na-pandemia-do-covid-19. Acesso em: 28 dez 2024.
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